

MENSAGEM DO RABINO
Do ‘por quê?’ ao ‘para quê?’
- Tudo bem?
- Enfrentei alguns problemas...
- Mas agora está bem, né?
A conversa começa com a protocolar pergunta. A expectativa é a sequência da resposta automaticamente prevista ‘tudo’ e em seguida a também protocolarmente indagação: ‘e você’?
No entanto, no diálogo acima, o script previsto foi quebrado. O interlocutor foi transparente e demonstrou vulnerabilidade, algo incomum num mundo em que os relacionamentos são impregnados pela hipocrisia e se escondem atrás de uma máscara de inabalável força. Diante da quebra uma nova pergunta é formulada na tentativa de restaurar o roteiro inicialmente previsto no desenvolvimento da conversa, como se os diálogos fossem somente possíveis diante de respostas padrões.
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A Festa da Pessach, através da recitação do Manishtaná, valoriza as perguntas. Às tradicionais formulações do Manishtaná outras podem ser feitas: Por que certas perguntas assustam? Por que receamos certas indagações? E por que nos esquivamos de trazer alguns questionamentos?
Perguntas assustam. Perguntas mexem com as estruturas. Potencializam o abalo das certezas. Revelam a vulnerabilidade. Melhor, portanto, chutar para escanteio as perguntas.
Este é o perigo do Manishtaná: bradamos que as perguntas são importantes e as ensinamos às crianças, mas depois, se as interrogações deixam a inocência e balançam o conforto, as negamos de modo ardiloso, até mesmo com outras perguntas manipulativas elaboradas para desviar.
Tal como nos games vamos para um segundo nível do Manishtaná. O nível que não nos oferece resposta. O nível que – ao contrário do ‘echad mi iodeia’ (quem sabe?) - não responde ‘eu sei’ e admite o não saber.
A coragem do não saber autoriza que o Homo Sapiens – aquele que a tudo pretende saber, seja um Homo Espiritual – aquele que reconhece o mistério do desconhecido. A espiritualidade não se esquiva diante da pergunta que assusta, não teme a ausência de resposta, não se apavora diante da incerta. Assim, a espiritualidade impulsiona a jornada humana tal como nosso povo realizou no deserto ao sair da certeza que a escravidão impunha rumo a inevitável incógnita da liberdade.
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Ao nos depararmos com tormentos perguntamos ‘por quê?’ É uma indagação justa, mas há resposta honesta? Podemos elaborar falsas explicações para aplacar a angústia e para dar a impressão de controle ou talvez humanamente admitamos o não saber e continuemos a perguntar. Nestas perguntas o inexplicável ‘por quê?’ abre espaço para a busca do propósito: ‘para quê?’
A busca do propósito é a resposta que Manishtaná nos convida a encontrar. Não é uma fórmula pronta. Não está no script. Está para ser encontrada no coração e mente de cada um, talvez como um pedaço da matsá – ou da vida – quebrado a ser restaurado.
Chag Sameach!
Rabino Sérgio Margulies